Desfazer mitos e pré-conceitos
Neste últimos dois anos tenho tido contacto com o Tantra, e acho super divertido quando às vezes falo que fui fazer um workshop ou algo do género, e consigo ler as entrelinhas do olhar e sorriso que recebo, do género, “pronto lá foi ela meter-se nisso” ou “anda metida em orgias” hehehehehehe, eu sei porque já pensei também assim!! Existe na espiritualidade muita construção ilusória e equivocada sobre a própria espiritualidade! E sobre o tantra então é abismal, mas eu até compreendo pois o tantra, na nossa cultura, aparece quase sempre associado a sexo (e infelizmente existe também muito equívoco sobre a união sagrada entre dois seres), e como forma de maximizar o prazer, e pois não poderia estar mais afastado da realidade, contudo, porque é uma prática para a vida normal do dia a dia aceito que essa também seja um reflexo da realidade, mas sem entendimento sobre o que é o caminho do tantra, desvirtua-se um dos mapas de expansão de consciência, energia e sabedoria, mais completo que já conheci.
A palavra Tantra no sentido esotérico significa Expansão, expansão do entendimento de quem sou eu, expansão de energia, mestria sobre essa energia e sobre a vida, e de uma forma íntegra, autêntica, prática, no dia-a-dia, em todas as dimensões da vida, e isso é sabedoria.
Este mapa explica a realidade através de 36 Tattvas, ou níveis da realidade, os elementos primordiais, os sentidos, os níveis da mente, a consciência individual, a natureza, os véus, a ilusão (a compreensão da ilusão da dualidade como bênção) e o coração, que simboliza a união perfeita, ou a perfeita colaboração entre Shiva (pura luz da consciência, aquele que sustenta a energia) e Shakti (o potencial de ser consciente). Não é o mapa em si que é a experiência da realidade, mas é o guião para que tu possas navegar a vida, fazer a tua própria viagem da melhor maneira.
No meu caminho do Yoga, tenho estudado a filosofia, digamos a “teoria” do yoga, mas sempre me inquietou a falta de um mapa, um guia, que me fizesse sentido. Aqueles mapas da realidade, como por exemplo os Yoga Sutras de Patanjali, Bhagavad Gita, os inúmeros Upanishads, etc, foram e são para mim de difícil integração e quando finalmente conheci este, sharam, parece que fez-se luz, e também os outros se iluminaram, pois acredito que estes mapas não se excluem, muito pelo contrário, complementam-se. E mesmo dentro do Tantra tens inúmeros Tantras, é outro Universo, e uma vida não dá para absorver uma ínfima parte, pelo que o importante é integrar aquilo que me serve a dado momento, entendendo que não devem haver apegos em relação à prática e que está tudo bem se for necessário seguir um caminho diferente. É importante estudar com alguém que já tenho feito um pouco desse trabalho, e estruturado “a matéria” de maneira a que esteja decifrada e adaptada à realidade do comum dos mortais!
Sobre o mapa, que é tão importante, falarei noutra ocasião, ou podes entretanto seguir o Sebastian Valensi, com quem tenho estado a estudar, mas agora é importante referir que dentro da riqueza imensa de práticas não dogmáticas no Tantra vais encontrar meditações, visualizações, Yantras, Mantras, Hatha yoga (o Hatha Yoga que aprendemos numa aula de Yoga, é uma prática Tântrica), exercícios de conexão, dança, movimento consciente, etc. O tantra funciona como um instrumento de expansão, uma tecnologia espiritual para expandir além da crença de um eu limitado, e explorar a natureza humana, para viver intimamente com a vida e em conexão e harmonia com a realidade e a natureza. Este é o verdeiro propósito destas práticas. Pura devoção ao sagrado na vida, em que tudo é sagrado, incluindo as contas para pagar! Se o Yoga e o Tantra não servirem para pagar as contas com alegria e sabedoria, então não estás no caminho certo! Por isso eu digo que o Yoga não é para toda a gente, mas esse é outro Blog!
Ora tanta coisa para chegar a este momento, ao momento em que partilho contigo que participei no meu primeiro festival de Tantra, poucos meses depois de eu ter dito que isso não era para mim. Contudo parte do meu desafio nesta vida é desafiar-me, colocar-me em situações novas e desconfortáveis, e tanto que tenho aprendido acerca de mim, e como isso tem contribuído profundamente para o meu projecto de vida. É como se as peças do puzzle devagarinho começam a encaixar e a imagem começa a revelar-se.
Quantas vezes é que te desafias? Eu sei que é difícil e assustador, mas é neste salto de fé e estar de frente a frente com tantas sombras que estão cá dentro que é possível quebrar padrões e crenças limitantes, descobrir tantas possibilidades sobre como seres tu.
Nestes dias uma das propostas era a de despir (incluindo literalmente) dessas condicionantes, e estar num estado de constante observação interna, de sentir com o coração, com o corpo o que eu consinto a mim mesma, o que eu quero, o que eu não quero, e permitir que tudo o que esteja presente possa estar presente…no fundo não muito diferente de uma prática de yoga, mas apenas com uma estrutura diferente. E claro tudo são convites, o respeito mutuo, a comunicação autêntica e não haver fotografias ou videos não autorizados pelos participantes são as regras fundamentais!
Um dos insights mais importantes que tive foi um workshop de Expansão do Chakra do Coração (honestamente não me lembro do nome do workshop, sorry Agni!), que foi tão intenso, foi absolutamente incrível, baseado em movimento consciente, respiração, meditação, eu senti que o meu coração não cabia no peito, não cabia no corpo, as minhas mãos já não o conseguiam segurar de tão longe que ele foi e que ao mesmo tempo nunca saiu de perto de mim, “eu já sou feliz”, foi a única partilha em grupo que fiz, e é isso mesmo, o mundo pode estar um caos, os problemas vão sempre acontecer, o coração vai partir muitas vezes, mas a verdadeira essência de SER é esta felicidade, um estado de boa aventurança, de paz interior, de plenitude, ela está sempre presente enquanto tudo move-se lá fora, e é apenas uma ilusão que a felicidade desaparece, ela continua cá, e nem passa por reprimir as emoções desagradáveis, ou ignorar o sofrimento e a dor, só quando eu olho para elas de frente e as sinto no meu corpo é que eu também realizo a felicidade que coabita em mim e que eu posso sempre despertar e resgatar. Também não é um estado de positividade tóxica, nem um estado de êxtase constante. É aquilo que ninguém te vai conseguir ensinar, quando lá estiveres vais saber e sentir.
E mais uma vez, é como se fosse uma aula de yoga, mas com outra roupagem. As emoções flutuam tão rapidamente como os pensamentos e têm um impacto enorme no corpo, e quando se respira para essas sensações, booommm, a transformação quase instantânea acontece. Não significa que desapareçam, a dor vai estar à espera no próximo gatilho, garantidamente, mas o resgate da força do amor está lá à distancia de uma respiração. F*ck Yeah, foram preciso 22 anos para saber o que é ser FELIZ. 22 é o número de anos que eu me dedico ao auto-conhecimento, e ainda sinto que só descasquei as primeiras camadas!
Este é aquele propósito de vida transversal a todos os humanos, nós só queremos ser felizes, e todas as nossas buscas são em função disso, repara que até o criminoso, comete esse crime para satisfazer essa necessidade, claro que da pior forma, por isso seria tão importante reeducar uma civilização inteira para a reconexão com a humanidade e com a natureza, claro que mudar o mundo é uma utopia, mas se eu mudar o meu, eu vou impactar o teu mundo, talvez as minhas palavras te inspirem a abraçar aquele desafio, aquele sonho, que por medo tens vindo a reprimir! Não tenhas medo de ser feliz! E ser feliz não é ter sucesso em todos os passos. Eu tropecei muitas vezes, às vezes parece que preciso dar 10 passos atrás, mas isso ajuda a ganhar experiência, desenvolve a sensibilidade, intuição e sabedoria, tornou-me mais resiliente e feliz.
Outro insight foi a compreensão que não há coincidências. E não foi por pura coincidência que o Universo juntou estes seres naquele contexto. E percebi isso mais uma vez com a quantidade de julgamento que surgiu em mim. Bolas, eu já me ria sozinha quando vinha um julgamento, eu dizia-me a mim mesma, “então desta vez qual é o reflexo do prisma que estás a ver agora?”
Eu via-me como um prisma de cristal, daqueles lindos que refletem luz em todas as direcções (é uma bonita analogia para explicar que somos todos reflexos uns dos outros, e se eu tinha dúvidas disso, agora tenho a certeza, contudo estou aberta a desfazer o dogma).
Aquela pessoal que falava mais alto, aquela outra que se exprimia vocalmente de forma desconcertante, e a outra que do nada já estava como veio ao mundo, e o discurso narciso do outro, ah e olha aquela a invadir o meu espaço sem consentimento, e o andar daquele, enfim, hilariante, e ao mesmo tempo super empoderador ser capaz de me observar a fazer estas observações. Eu podia achar que estava no máximo das minhas certezas e daquilo que é certo, mas não, ri-me pois são tudo aspectos que eu imediatamente reconheci em mim na forma de medos, traumas, supressões, dores, uauh tamos tanto em nós, e só agradeço que aquelas pessoas possam ter estado na minha presença, por me terem desafiado a olhar ainda mais para dentro, e tanto potencial para transformação que eu descobri!
E uma das coisas que aprendi a reconhecer foi um Não, sentir o não no corpo e depois exprimir esse não, filo por exemplo numa aula de yoga, mesmo uma aula de yoga, saí do espaço por respeito a mim e também ao professor. E quem diz aula de yoga, diz por exemplo aos convites numa aula de yoga. Sente, respeita, desafia sim, mas com compaixão e diz não se for isso que precisas, e muitas vezes é muito desafiante dizer um não, porque achamos que temos que ser fortes e aguentar ou porque vão pensar isto ou aquilo de nós, ou porque não queres desiludir o outro, enfim, há muitos porquês. E nas relações familiares e nas relações profissionais? Sabemos expressar as nossas necessidades, sabemos comunicar um não?
Sim, foi muito interessante ver-me nesse papel de observadora!
E as conversas às refeições com seres do mundo inteiro a partilharem a sua história de forma autêntica, sem medo dos tais julgamentos, e também a ouvir a história do outro, ouvir apenas, quantas vezes não é isso que se precisa, de ter a atenção do outro, de termos um espaço seguro para a nossa vulnerabilidade!
Quantas vezes te permites ouvir e pedir para se ouvido?
E tão surpreendida que fiquei pela presença de tantos portugueses, mas portugueses que senti que cujas vidas lhe levaram a procurar estágios alternativos de vivências e práticas fora da norma, hei, Yoga ainda é muito fora da norma, por incrível que pareça, tantra então nem se fala, é como se o tabu sobre a espiritualidade, sobre o corpo, sobre o sentir, sobre o autocuidado ainda estivesse demasiado impregnado culturalmente. Mesmo com tanta expansão que já testemunho, paralelamente existe ainda uma norma que não passa pelo cuidado da alma, do cuidado integral e holístico, não apenas individual mas também colectivo. E dentro da própria espiritualidade, tantos certos e errados, tanta ilusão, tanto preconceito? Vamos aceitar que existem muitos caminhos, e que não existem fórmulas universais (ou alinhamentos!) que servem a todos?
E voltando aos desafios, sinto que é importante aqui falar sobre aquele limite macio, suave que está prestes a ser ultrapassado, mas que continua a ser aquela fronteira ideal para trabalhar, pelo menos foi o que senti e também é um convite que faço. Dar aquele passo, mas com compaixão, com subtileza, fazendo um check in constante, como é que eu me sinto agora, o que está presente para mim agora, e muda, essa fronteira pode mudar, mas se dermos logo aquele passo sem este avançar com graciosidade, pode surgir uma lesão (física ou emocional), pode funcionar como um gatilho de medos e traumas para os quais ainda não estamos preparados para lidar. Também pode acontecer que, “olha afinal descobri uma nova fronteira”. Bem, e este foi o insight que me surgiu durante uma prática muito interessante de Love Temple. Aqui foi uma experiência um pouco diferente das que tinha tido, aqui foi livre, sem facilitador a guiar as práticas, e tínhamos apenas como guias os quadrantes do círculo do consentimento.
Sobre o círculo do consentimento podes ler Betty Martin, a visionária que criou este mapa para a vida! É absolutamente genial!
Afinal o que é a zona de conforto?
Continuando, no principio senti-me deslocada, já com vontade de sair, mas decidi desafiar-me, naquele “tender spot” primeiro, e foi interessante que o que para mim foi algo de perfeitamente normal, uma respiração muito simples em yab yum, para outra pessoa foi uma novidade e talvez para ela já fosse uuuhhhh aquele passo. Depois foi o meu passo maior, para aquele quadrante mais desafiante para mim, “surrender”, de rendição e onde é preciso saber dizer não, e senti que se não o tivesse feito, iria continuar a sentir que não o conseguia fazer, e não é que consegui! Superei o medo, mas foi preciso respirar muito, claro, e dançar para moer as crenças condicionantes que eu criei confortavelmente para mim!
Foi como estar num laboratório que muitas vezes se assemelhava com um playground de adultos, que só querem ser felizes! E com tantas lágrimas e abraços à mistura! Porque não foi e nem fácil! Como eu digo tantas vezes, o que fazemos no nosso tapete, e já é um trabalho tão profundo e transformador, é um laboratório de alma, não percas essa oportunidade, esta vida é a mais importante, é a que estás a viver agora, vive-a, experiencia-a com todo o entusiasmo e abraça a luz e a sombra com todo o fervor!
Às vezes é isso mesmo, rende-te ao Universo, aceita as propostas da vida, os desafios, está presente em ti, observa-te constantemente e move-te com graciosidade, não apenas no tapete, na VIDA!
Com Alegria, Fátima Fernandes
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